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DESAPEGO, Caminho para a Transformação

DESAPEGO, Caminho para a Transformação

O maior exemplo de desapego vem das abelhas. Após construírem a colméia, abandonam-na. E não a deixam morta, em ruínas, mas viva e repleta de alimento. Todo mel que fabricaram além do que necessitavam é deixado sem preocupação com o destino que terá. Batem asas para a próxima morada sem olhar para trás.

Na VIDA DAS ABELHAS temos uma grande lição. Em geral O homem constrói para si, pensa no valor da Propriedade, tem ambição de conseguir mais bens, sofre e briga quando na iminência de perder o que “lutou” para adquirir.

“Onde estiver nosso coração, ali estarão nossos tesouros…” Assim, não pode haver paz uma vez que pensamentos e sentimentos formem uma tela prendendo o ser ao que ele julga sua propriedade. Essa teia não o deixa alçar vôo para novas moradas. E tal impedimento ocorre em vida ou mesmo após a morte, quando um simples pensamento como “Para quem vai ficar a minha casa?” é capaz de retê-lo em uma etapa que já podia estar superada. Ele fica aprisionado a um plano denso, perde oportunidades de experiências superiores.

Para o homem, tirar a vida de animais e usá-los como alimento é normal. Derrubar árvores para fazer conservas de seu miolo, também. Costuma comprar o que está pronto e adquirir mais do que necessita. Mas as abelhas fabricam o próprio alimento sem nada destruir e, ainda, doam a maior parte dele.

A lição das abelhas vem do seu espírito de doação. Num ato incomum de desapego, abandonam tudo o que levaram a vida para construir. Simplesmente o soltam, sem preocupação se vai para um ou para outro. Deixam o melhor que têm, seja para quem for – o que é muito diferente de doar o que não tem valor ou de dirigir a doação para alguém da nossa preferência.

Vivemos uma época de celebridades, apelos fáceis à riqueza, ao consumismo, às paixões avassaladoras. Transitamos aturdidos por um mundo em que o destaque vai para aquele que mais tem. E a todo instante os comerciais de televisão, os anúncios nas revistas e jornais, os outdoors clamam: “Compre mais. Ostente mais. Tenha mais e melhores coisas”. É um mundo em que luxo, beleza física, ostentação e vaidade ganharam tal espaço que dominam os julgamentos. Mede-se a importância das pessoas pela qualidade de seus sapatos, roupas e bolsas. Dá-se mais atenção ao que possui a casa mais requintada ou situada nos bairros mais famosos e ricos. Carros bons somente os que têm mais acessórios e impressionam por serem belos, caros e novos. Sempre muito novos. Adolescentes não desejam repetir roupas e desprezam produtos que não sejam de grife. Mulheres compram todas as novidades em cosméticos. Homens se regozijam com os ternos caríssimos das vitrines. Tornamo-nos, enfim, escravos dos objetos. Objetos do desejo que dominam nosso imaginário, que impregnam nossa vida, que consomem nossos recursos monetários. E como reagimos? Será que estamos fazendo algo _ na prática _ para combater esse estado de coisas? No entanto, está nos desejos a grande fonte da nossa tragédia humana. Se superarmos a vontade de ter coisas, já caminhamos muitos passos na estrada do progresso moral. Experimente olhar as vitrines de um shopping. Olhe bem para os sapatos, roupas, jóias, chocolates, bolsas, enfeites, perfumes. Por um momento apenas, não se deixe seduzir. Tente ver tudo isso apenas como são: objetos. E diga para si mesmo: “Não tenho isso, mas ainda assim eu sou feliz. Não dependo de nada disso para estar contente”. Lembre-se: é por desejar tais coisas, sem poder tê-las, que muitos optam pelo crime. Apossam-se de coisas que não são suas, seduzidos pelo brilho passageiro das coisas materiais. Deixam atrás de si frustração, infelicidade. Revolta. Mas, há também os que se fixam em pessoas. Vêem os outros como algo a ser possuído, guardado, trancado, não compartilhado. Esses se escravizam aos parceiros, filhos, amigos e parentes. Exigem exclusividade, geral crises e conflitos. Manifestam, a toda hora, possessividade e insegurança. Extravasam egoísmo e não permitem ao outro se expressar ou ser amado por outras pessoas. É, mais uma vez, o desejo norteando a vida, reduzindo as pessoas a tiranos, enfeando as almas. Há, por fim, os que se deixam apegar doentiamente às situações. Um cargo, um status, uma profissão, um relacionamento, um talento que traz destaque. É o suficiente para se deixarem arrastar pelo transitório. Esses amam o brilho, o aplauso ou o que consideram fama, poder, glória. Para eles, é difícil despedir-se desse momento em que deixam de ser pessoas comuns e passam a ser notados, comentados, invejados. Qual o segredo de libertar-se de tudo isso. A palavra é desapego. Mas… Como alcançá-lo nesse mundo? Pela lembrança constante de que todas as coisas são passageiras nessa vida. Ou seja: para evitar o sofrimento, a receita é a superação dos desejos. Na prática, funciona assim: pense que as situações passam, os objetos quebram, as roupas e sapatos se gastam. Até mesmo as pessoas passam, pois elas viajam, se separam de nós, morrem… E devemos estar preparados para essas eventualidades. É a dinâmica da vida. Pensando dessa forma, aos poucos a criatura promove uma auto-educação que a ensina a buscar sempre o melhor, mas sem gerar qualquer apelo egoísta.

Se queremos ser livres, se queremos parar de sofrer pelo que temos e pelo que não temos, devemos abrigar em nós um único desejo: o de nos transformar. O exercício é ter sempre em mente que nada nem ninguém nos pertence, que não viemos ao mundo para possuir coisas ou pessoas, e que devemos soltá-las. Assim, quando alguém ou algo tem de sair de nossa vida, não alimentamos a ilusão da perda. Adquirimos visão mais ampla.

O sofrimento vem quando nos fixamos a algo ou a alguém. O apego embaça o que deveria estar claro: por trás de uma pretensa perda está o ensinamento de que algo melhor para nosso crescimento precisa entrar. E se não abrimos mão do velho, como pode haver espaço para o novo?